i like the bad bands and the big sounds

Estava bastante indecisa quanto ao meu debut no blackbox. Pensei horas sobre qual seria o assunto ideal pra um primeiro post redigido formalmente (não só no blog como também de toda a minha vida), mas percebi que se não optasse por um assunto logo eu iria procrastinar pro resto da vida (ou não).

Acabei decidindo ousar uma resenha musical da banda californiana Girls, que toca no Popload Gig 3 essa semana em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Quem sabe não dá tempo de ler, ouvir e não perder esse show que provavelmente vai ser um negócio de outro mundo, com gente gritando e dançando/pogando loucamente (pelo menos pra mim e alguns outros fãs ávidos da banda como eu). Pogando é mais provável, por que essa banda, apesar de bastante recente, eu ousaria dizer, é do mais puro e simples ROCK N’ ROLL (tá, bem alternativo), aquele mesmo que vivem dizendo que morreu. Talvez não exatamente o mesmo, mas um rock n’ roll com o sabor dos tempos: caótico, transtornado, bipolar, visceral e extremamente divertido.

Tudo começa com a história tétrica do vocalista, Christopher Owens, cuja mãe era de uma dessas religiões pentecostais americanas MUITO LOUCAS que a obrigava a se prostituir, negava assistência medica aos doentes (o que causou a morte do irmão mais novo de Owens), mantinham os fiéis em reclusão cultural mas os faziam viajar por todo o mundo para espalhar o evangelho. O pai de Owens deixou a família. Mas o culto foi importante para a formação ética do rapaz, que compara Michael Jackson a Jesus Cristo e como ele quer viver num mundo perfeito, e musical. Owens aprendeu a tocar guitarra e cantava em coros, a maioria das composições feitas por gente do culto, mas algumas músicas de compositores antigos de rock country, como Everly Brothers, que eram uma das poucas bandas seculares “liberadas”.

Mas o grande marco na vida de Owens foi, depois de deixar o culto num momento de rebeldia punk adolescente, conhecer um sujeito chamado Stanley Marsh, que foi para ele uma espécie de mecenas. Owens diz que para entender sua relação com Stanley, basta ler as primeiras cinco páginas do Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde. Se você não leu (deveria!), eu explico: Marsh era um sujeito rico e excêntrico que fazia projetos artísticos, conheceu Owens e o convidou para trabalhar em sua fazenda. A partir disso, começa a incentivar a produção artística de Owens, sendo para ele como pai e mentor. Depois disso, Owens começa a tocar na mundialmente conhecida Holy Shit, e sua amizade e admiração pelos caras é mais um incentivo a seguir carreira solo. Finalmente, chegamos ao que interessa: JR Chet Wilson, um dos melhores amigos de Owens, o convence de que pode produzir suas composições e assim nasce o Girls, com todas as músicas compostas e letras escritas por Owens e a produção feita por JR.

Conto tudo isso porque a história de Owens é decisiva para a sonoridade da banda. Mesmo quem não a conhece e ouve sabe que Owens não é um sujeito qualquer, que there’s something going on there (nas palavras do resenhista da Pitchfork, que deu nada mais nada menos que 9,1 para o álbum debut Girls e o colocou entre os 10 melhores de 2009 e 500 melhores da década). As letras são catarticamente tocantes, ainda mais na voz sincera, original e incrivelmente boa do vocalista. Os anos de coro no Children of God foram decisivos também tecnicamente.

Owens admite que sua intenção não é ser mais uma banda moderninha que soa lo-fi e agrada aos hipsters, ele é bem mais pretensioso que isso: ele quer escrever um hit como Love Me Tender, do seu ídolo Elvis Presley. Owens se emociona ao ver que as pessoas que ouvem sua banda o fazem como os meninos do culto costumavam fazer: em grupo e religiosamente. Owens ama o que a música faz pelas pessoas: foi ouvindo coisas como Lionel Richie, Michael Jackson e Guns n’ Roses que nasceu nos meninos do culto uma ânsia por livre expressão; foi o fato de tocar guitarra muito bem que fez com que Owens tivesse um contato com o mundo exterior ao culto, tocando nas calçadas da Dinamarca e fazendo bastante dinheiro.

A densidade emocional de Owens se reflete em cada elemento da sua obra. É impossível resistir a um artista que se entrega tão completamente a ela e, conseqüentemente, ao seu público. Mas é necessário sensibilidade pra sentir a intenção de Owens. Se você está pensando que as letras do Girls são uma choradeira emo, está muito enganado, elas são quase tão comuns e despretensiosas que pode se ter a impressão de que Owens não tem nenhum problema diferente dos demais jovens do mundo. O tema mais recorrente em suas canções é, como o nome da banda sugere, alguma garota (embora Owens se considere bastante gay), mas contada com humor e sem frescura. A letra do já hino Hellhole Ratrace (primeiro single da banda, clipe sobre estas linhas) merece destaque especial, é um lamento que te chama pra dançar junto com Owens e esquecer que a vida é uma merda. O clipe também se destaca pela naturalidade da galera, todos feios, mal vestidos, ingerindo substâncias alteradoras de consciência e abraçando ursinhos de pelúcia. Não sei se li em algum lugar ou intui que aquele pessoal são amigos íntimos do Owens, e não atores. Pra mim é o 1979 dos anos 2000. Quem não se identifica com aquela festinha na baia, sinceramente, não viveu direito sua juventude.

A busca por relevância pop e a adoração pela musica como sua grande libertadora faz da banda de Owens emocionalmente relevante, enquanto seu talento como compositor, músico e o sentimento colocado nas canções se encarregam de que sua sonoridade seja especial e digna de ser apreciada independentemente da história triste (ou feliz) que haja por trás.

5 comentários:

Bruno Lorenz disse...

Nem li, mas ouvirei devido ao estilo dos componentes

Unknown disse...

praticamente tudo a ser dito sobre o Girls tá aí. impressionante a história desse cara, mas mais impressionante é que escutando a banda sem saber da história tu percebe mesmo que ele não teve uma vida normal

Anônimo disse...

Muito bom, nao sabia que ainda existia gente tal como a mãe do vocalista. mas ja tentei escutar a banda, fui sem preconceitos, mas nao me desceu. a voz do cara me irrita muito. mas bá. sempre é legal saber histórias de bandas.

carla musa disse...

muito bom, ana, muito bem escrito. deu até vontade de ir no show. :}

Marie disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.