Eu leio livros em ônibus, bancos de praça, em casa, na praia, em intervalos raros no meio à labuta diária. E é claro que em todos estes lugares me converto em um lutador incansável, um combatente peleando contra as distrações que se intrometem à minha volta. Um dos motivos pelos quais não consigo ler ficção na tela do computador: as tentações são muitas. É o twitter que pode ser facilmente verificado, o e-mail me informando da chegada de mais uma missiva, um link que alguém acaba de lançar no facebook. E são também as próprias distrações decorrentes do processo de leitura, afinal, quantas vezes já não me vi interrompendo um livro para googlear informações sobre o autor, fazendo um "rápido" paralelo entre suas outras obras publicadas, buscando correspondência entre personagens, conferindo alguma referência solta à fim de descobrir as implicações daquilo para o resto da obra. Enfim. O que acontece é que sou um amante da leitura e de tudo o que a rodeia - ler um romance não é só ler um romance. Para mim é mergulhar no universo do autor, me interessar por obras anteriores e posteriores àquela. E isto exige tempo, exige dedicação.
É certo que me sinto um velho, um dinossauro na maioria das vezes, com meus hábitos de leitura tão antiquados, com uma paixão pela literatura que foge da aclamação aos últimos best-sellers incensados pela mídia massificadora, com minhas próprias obsessões literárias, meus autores-fetiche, minhas listas de leituras e os meus queridos volumes organizados em prateleiras. Volumes físicos, objetos palpáveis, retângulos respeitosos feito de papel, cola, tinta. Peças literárias que me seduzem pelo conteúdo, mas que também me conquistam pela forma. Sim, porque também adoro o objeto livro, os rituais da leitura, o cheiro do papel, a capa, a diagramação, as fontes, o marcador em meio às páginas, o virar das páginas, a logomarca da editora. Por isso sou um resistente, um retrógrado orgulhoso em meio ao fuzuê maravilhado que os e-books e seus e-readers estão proporcionando. Kindle? Olhei de canto de olho, fiz cara feia, não me seduzi pelas promessas de livros infinitos ao alcance dos dedos e do cartão de crédito via Amazon. Não me conquistou de maneira nenhuma a possibilidade de carregar 5 mil livros em uma plataforma digital, a leveza de um suporte prático e plástico, a tecnologia da tela de leitura confortável, para não cansar os olhos. Mas isto porque sou um velho, é claro. Um tiranossauro que ainda prefere a companhia de tijolos de 700 páginas que podem ser realmente folheadas, dobradas, quiçá rabiscadas. Mesmo que me pese a mão na sua leitura, mesmo que me gere desconforto quando deitado à cama, mesmo que seja peça desconfortável dentro de minha pasta, ainda que tenha que me precaver contra possíveis traças querendo fazer morada em seu interior.
E agora, iPad? Me soa quase como blasfêmia quando analisado como resposta apressada e desesperada ao Kindle. Ok, é mais, muito mais que um e-reader: é uma plataforma multimídia para assistir filmes, ouvir músicas, acessar a internet, escrever. Sabemos bem: um computador em forma de prancha única, o fim dos netbooks, o manancial de promessas que uma gigante idolatrada como a Apple pode oferecer. O que acontece é que nenhum argumento conseguiu me convencer de que o iPad é um iPhone grande. E que não faz ligações. E que ainda não acessa internet 3G. E que distrai a leitura, quando usado como um e-reader. E eu definitivamente não quero ser distraído, não quero e-mails pipocando na parte inferior da tela quando estiver em meio a uma leitura, não quero jogos irresistíveis disputando atenção em meio à ícones sedutores no meu desk, não quero a possibilidade de dar uma olhadinha naquela versão para cinema do livro que estou lendo. Sociamente falando - tentando dar uma espiadela um tanto mais ampla sobre a história toda - o que significam os e-readers como ferramentas de inclusão de leitura? Facilitarão o acesso de comunidades pobres, escolas de parcas bibliotecas ao mundo do livro? Ou serão somente mais um degrau distanciador, outro gadget indispensável, mais um brinquedinho moderno para poucos?
Claro que são argumentos toscos, limitados, beirando a ignorância (ou a ultrapassando). Iniciativas transmídas, como esta, onde o livro encontra um papel interessante em meio à indústria de entretenimento, me animam. Mas fazer o quê? Tudo o que quero é ler como sempre li: velhos e antiquados volumes de papel, cola e tinta.
0 comentários:
Postar um comentário